sábado, 23 de novembro de 2013

o não senso da vida

"Queria o sol tosco inacabado
queria o vento tempestuoso batendo palmas entre as folhas
queria a ignorância, a primeira ideia, o sol.

queria a pobreza, o ar, o apodrecimento, a terra
porque o vento do não senso trespassa-nos de vida - o nexo
do insensato, do insensível -
o não senso da vida, o seu nexo."

*

Maria Andressen. Extraído da antologia de poemas portugueses "RESUMO - a poesia em 2010", editada pela FNAC.

domingo, 31 de março de 2013

Eudora Welty, Edward Lear e a ideia de 'lugar' na ficção.

                                                           
                                                            (Eudora Welty as a child)

"Edward Lear tapped his unerring finger on the magic of place in the limerick. There's something unutterably convincing about the Old Person of Sparta who had twenty-five sons and one darta, and its surely beyond question that he fed them on snails and weighed them in scales, because we know where that Old Person is from - Sparta! We certainly do not need further to be told his name. "Consider the source". Experience has ever advised us to base validity on point of origin.
Being shown how to locate, to place, any account is what does most toward making us believe it, not merely allowing us to, may the account be the facts or a lie; and that is where place in fiction comes is. Fiction is a lie. Never in its inside thoughts, always in its outside dress."

Trecho do ensaio "Place in Fiction", escrito pela romancista e contista norte-americana Eudora Welty. Extraído do livro "Eudora Welty: Stories, Essays, and Memoir".

Gostamos de ver Lear ser lembrado, por isso guardamos o trecho, que é muito bonito e reflexivo. Aqui, o limerique de Lear é apenas um mero exemplo para o tema principal: o papel do lugar na ficção. A observação sobre este limerique é correta, no entanto essa relação entre personagem e sua origem não é uma constante nos poemas de Lear. A maioria das cidades ou países citados parece estar lá apenas para rimar. Sempre que possível, Lear harmonizava tema e local de origem, o que obviamente enriquecia o texto, mas isso não era um fator obrigatório dos limeriques.

Pesquisando um pouco mais, achei essa informação aqui numa cronologia biográfica de Welty, que mostra que ela era das nossas:

"1916:Medical crisis
Around the age of seven, Welty is diagnosed with a fast-beating heart and confined to bed for several months. She reads myths and nursery rhymes, the Brothers Grimm, Edward Lear, Dickens, Scott, Robert Louis Stevenson, Mark Twain, Ring Lardner, encyclopedias, and popular sentimental and didactic fiction."

domingo, 10 de fevereiro de 2013

"Viagem numa peneira" e o público da literatura nonsense


Viagem numa peneira, de Edward Lear.
Editora Iluminuras, 2012.
Tradução e apresentação de Dirce Waltrick do Amarante.

Um dos principais méritos dessa mais recente tradução de Edward Lear para o português é a opção de apresentar uma antologia de toda a obra nonsense do autor, não se limitando aos limeriques, que são as obras mais divulgadas dele. Além deles, o livro também traz, pela primeira vez (em livro) ao público brasileiro, a tradução de alguns poemas famosos de lear, como The Owl and the Pussy-cat e The Jumblies (poema do qual foi retirado o título desta antologia), e também um pouco da botânica nonsense e dos abecedários do autor. Provavelmente devido à escolha de apresentar partes de toda a obra de Lear, não foi dessa vez que tivemos todos os limeriques dele traduzidos para o português: o livro traz apenas 45, de um total de 230 escritos pelo autor.

O projeto gráfico da Iluminuras é lindo e a tradução, feita por uma professora da UFSC, é muito boa, visto que os limeriques traduzidos apresentam uma linguagem leve e divertida, sem nenhuma esquisitice verbal aparente, fazendo jus ao humor e à precisão leariana. Alguns tradutores de Lear, como Valêncio Xavier e Vinícius Alves (papos para outro post), optaram por "abrasileirar" os limeriques, incutindo neles o humor e as variações linguísticas típicas do Brasil, indo além da aparente solenidade do humor britânico. Particularmente, prefiro a escolha de Dirce, que mantém o tom sério, algo que a meu ver reforça positivamente a carga nonsense do poema:

Havia uma moça cujo nariz comprido
Chegava-lhe bem abaixo do umbigo;
Contratou então uma criada, senhora bem-comportada,
Para levar seu formidável nariz comprido.

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 No prefácio do livro, intitulado "Literatura Nonsense: só para crianças?", a tradutora destaca a especificidade do gênero nonsense e as diferentes leituras que os estudiosos fizeram para tentar captar as leis desse gênero que parece escapar à qualquer definição pontual e que consegue agradar ao público adulto e ao infantil. É válido reproduzir a opinião de Elsie Leach sobre Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, que também se aplica à obra de Lear: "defrontado com Alice no país das maravilhas, o leitor adulto não sabe exatamente o que pensar. Ele percebe que é um trabalho de imaginação original, com significado tanto para adultos como para crianças."(pág. 17)

É preciso que o texto tenha uma riqueza muito particular para conseguir esse efeito duplo. Ao mesmo tempo que agrada as crianças pela apresentação de situações nonsense e pelas brincadeiras e jogos verbais, os textos nonsense de Lear e Carroll também agradam os adultos. Pelos mesmos motivos, penso, uma vez que os adultos adoradores de Lear são pessoas que conservam o gosto pelas brincadeiras com a língua lá da infância. Mas a estes motivos se acrescenta um muito importante: as reflexões que o texto nonsense provoca em seus leitores mais experimentados. Uma reflexão linguística, atrelada ao complexo processo de produção de sentido, que durante a leitura do texto nonsense é desnudado diante do leitor, como se fosse uma engrenagem que, ao perder uma peça, desmonta-se. E também uma reflexão (que na verdade também é dependente da linguagem, e por isso linguística também) sobre a vida, uma vez que o texto nonsense, por meio da linguagem, desconstrói significados, imagens, ideias, hábitos. Já falei um pouco mais sobre os limeriques e a vida aqui.

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Diante do fato de que o texto nonsense pode agradar à crianças e adultos, as editoras brasileiras costumam optar por edições híbridas. Vemos então livros com projetos gráficos repleto de cores e ilustrações que visam sobretudo o público infantil, ao mesmo tempo que são dotados de textos críticos, notas de rodapé, prefácios e ensaios que dificilmente interessarão às crianças. A harmonia é possível, como mostra esse "Viagem numa peneira": bonito e colorido projeto gráfico, leves textos iniciais e finais sobre a vida e obra de Lear e, entre essas coisas, o humor nonsense para todos.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Minha vida é um limerick

No final da última postagem do blog, fiz uma tímida aproximação entre o comportamento unusual dos personagens dos limericks com a vida pessoal de Edward Lear, marcada por longos períodos de solidão e reclusão. Essa semana encontrei essa fala de Lear (a fonte da qual a retiro não deixa claro se o trecho é oriundo de uma carta ou de alguma forma de um ensaio):

"Você pode sentir-se estranho e diferente, e podem existir certas coisas que o anulem, mas num mundo imaginário onde as pessoas têm narizes e pernas singulares e os modos mais estranhos de expressão, onde elas procuram seres excêntricos com quem possam se identificar e onde encontram ainda a bondade e espontaneidade, você provavelmente nunca se sentirá só." 

Fica nítido, então, o que era apenas uma suposição: a obra de Lear é uma forma que o autor encontrou para responder a algumas de suas próprias necessidades, refletindo muito de sua vida pessoal.