quarta-feira, 22 de agosto de 2012

limericando


Havia uma estranha prostituta em Vacaria
Que nenhum cliente na esquina conseguia
Perguntavam: Cê faz programa?
“Não! Só boto os clientes na cama”
Aquela maternal prostituta de Vacaria

*

Havia um crítico de cozinha em Viçosa
que anunciou de forma escandalosa:
Chega de analisar chucrute,
Gosto não se discute!
E nunca mais resenhou nos jornais de Viçosa

*

Certa vez um jovem chamado Diego
Participou de uma sessão do Descarrego
Lá fez um amigo perneta
Que se disse filho do capeta
O que muito impressionou o jovem Diego

sábado, 11 de agosto de 2012

Um absurdo muito calmo - os limeriques de María Elena Walsh


No imaginário coletivo, o louco costuma se mostrar por meio de atos inusitados e extravagantes. Em muitas obras de ficção e humor, o louco é espalhafatoso, agitado, aquele que grita e quebra coisas. Representações assim reforçam a diferença que há entre as pessoas ditas loucas e as pessoas ditas normais. Mas a literatura nonsense está aí para tornar essa barreira cada vez mais imperceptível e confusa. Vem para plantar a dúvida: somos normais mesmo? O que é ser normal? Um bom exemplo desse nonsense é "Zoo Louco" (2011, Editora Projeto, tradução de Gláucia de Souza), livro de poemas da argentina María Elena Walsh (1930 - 2011), que pela primeira vez foi traduzida no Brasil.
O zoo louco de Walsh é uma coleção de bichos com feitio ou comportamento muito inusitado, contados em forma de limeriques, o gênero poético que é tema desse blog. Mas ao contrário de passar espanto ou agitação, os poemas apresentam as situações absurdas com muita calma, com ares de naturalidade:

"Uma vaca que usa colher no almoço
e que tem um relógio em vez de rosto,
que voa e fala inglês,
sem dúvida ela é,
uma Vaca estranhíssima, bem posto"

Toda essa calma mostra que Walsh aprendeu muito bem a lição do inglês Edward Lear, mestre do gênero que no século XIX apresentou, sem demonstrar uma gota de espanto, uma coleção de homens e mulheres bizarríssimas.  No entanto, os limeriques de Walsh têm um toque bem original.  Sua particularidade não está apenas ao versar sobre animais ao invés de homens, ou então no uso mais amplo do 5º verso (ao contrário dos limeriques de Lear, cujo quinto verso era muitas vezes um "fechamento" de conteúdo semelhante ao do primeiro. Vide aqui.). A originalidade desses poemas está, entre outras qualidades, nas imagens inusitadas que María Elena Walsh oferece para que o leitor experimente. Vejamos o limerique "Caso as cobras fossem tão gabolas", que propõe com muito humor o exercício de se pensar em cobras bem-vestidas e em pé, elegantérrimas:

"Caso as Cobras fossem tão gabolas,
se usassem calças, luvas, cartolas
e lenços de seda feitos,
não haveria jeito:
ficariam tão feias como outrora"

Há de se destacar, nessa edição da Editora Projeto (que é inacreditavelmente a primeira tradução da Walsh no Brasil, ela que tantos livros e canções infantis compôs), o trabalho da ilustradora Angela Lago, da qual sou fã, tendo já comentado outros trabalhos seus. Como se nota pela imagem da capa, Angela trabalha com muito humor a ideia de zoomorfismo/animalização que há nos limeriques do livro. Afinal, os bichos de Walsh costumam ter atitudes muito humanas: fazem discursos, tocam piano e usam quimono. Tomar os bichos de Walsh como metáforas para as atitudes humanas, algo como "A revolução dos Bichos", romance de G. Orwell, seria possível, mas também seria tornar sério e redutor demais algo que só quer ser puro e simples nonsense - e é nessa simplicidade que está sua riqueza:

"No fundo do mar, uma Toninha
com vestido de cauda e boininha,
que acham que se passa?
Nada, só fica em casa
chateada e sozinha na cozinha."